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Pobreza menstrual e desumanidade masculina

08/10/2021

Neste texto, apresento uma crítica ao veto do presidente do Brasil a trechos fundamentais da Lei 14.214/21, que institui o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual.

Imagine que você é estudante, adolescente e está prestes a menstruar novamente mas não tem condição de comprar absorvente. Você também não tem coletor. Você não tem água encanada em casa. A comida na mesa está rala, você comeu o que tinha, lembrou do que não tinha e agora está a caminho da escola. Você é uma das milhares de meninas brasileiras que costuma faltar a escola por causa disso. E, neste dia, você vai faltar de novo, e com toda razão.

Mas aí você fica sabendo que um movimento de mulheres luta há anos por políticas públicas que possam lhe ajudar nisto, e que este movimento, recentemente, repercutiu no congresso nacional e uma lei foi votada e aprovada. Você se enche de esperança porque esta lei prevê distribuição de absorvente para estudantes e mulheres em situação de vulnerabilidade. Mas o presidente do Brasil é contra e veta grande parte do conteúdo da lei. Ele não quer considerar absorvente um item básico. Ele alega não ter previsão para este gasto, e fica por isso mesmo.

Você nota que o chefe maior da nação não demonstra qualquer sensibilidade em relação a este grave problema. Você lembra que os homens endinheirados do país fazem um brinde à responsabilidade fiscal do presidente, cada vez que um direito social ou uma política de assistência vai pro ralo. Você então sente que estes homens não fazem a menor ideia de quem você é e do que você precisa. Você mais uma vez conclui que o presidente do Brasil não sabe nada sobre mulheres, e não sabe nada sobre a pobreza. Ele não sabe nada sobre o teu país. Ele cuida muito bem dos ricos, que o veneram sem parar. Ele compreende os ricos. Mas quanto a você, ele jamais saberá de sua grandeza e de sua luta diária pela existência e pela dignidade.

A pobreza menstrual afeta milhões de meninas, mulheres cis e homens trans no Brasil. Segundo dados da ONU, 25% das meninas entre 12 e 19 anos já faltaram aula alguma vez por não ter absorventes. Mas o que lhes falta vai bem além do absorvente. Falta água tratada, esgoto, dinheiro para comprar produtos de higiene, assistência médica, acesso à informação etc. São mais de 6 milhões de meninas que hoje vivem sem acesso à rede de esgoto, 4 milhões que não tem como obter produtos de higiene íntima e 900 mil que sequer tem acesso à água encanada.

A resistência de grande parte dos nossos governantes para tratar deste tema só revela o quão distante estão os homens de compreenderem a desigualdade de gênero em nosso país. Mesmo quando o debate avança dentro da mais alta esfera de representatividade - o Congresso Nacional -, ainda assim, um homem poderoso se põe como anteparo e barra o progresso contido na lei. A lista de retrocessos nesta direção é imensa e a coleção de trágicas decisões que nosso presidente acumula representam hoje um arsenal de desumanidades que, como sabemos, vai se equiparando historicamente ao de governos fascistas.

Temos que romper com o tabu em torno da questão, combater o machismo e o preconceito de classe, o racismo, a violência de gênero e fortalecer também entre os homens a luta já encampanada pelas mulheres pela erradicação da pobreza menstrual. É urgente que este debate se difunda dentro das escolas e que, além das meninas, os meninos também se responsabilizem pela construção dos entendimentos. 

*Nélio Spréa é doutor em Educação pela UFPR e coordenador da Parabolé Educação e Cultura.

**Ilustração: Lincoln Souza / Diário do Nordeste

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